sábado, julho 29, 2006

Sintra

Tudo bem que a UNESCO se pôs fina, percebeu a essência do ser português na (não) valorização e gestão das suas riquezas e do que tem de único, e está de olho na ameaça betonizada que engolfa a Paisagem Cultural de Sintra, património da Humanidade, a cada dia que passa.
Tudo bem que concordo com o outro, quando diz que Portugal tem um enorme defeito, que é ter demasiados portugueses...
Tudo bem que o Parque Natural Sintra-Caiscais é um magnífico e natural meio envolvente para quem queira construir belos condomínios e mansões pseudo-bacoco-barrocas, ou seja, para que os Srs. Doutores e Engenheiros, Gestores e Aristocratas de alta linhagem disfrutem de tudo o que têm direito. Que o centro histórico de Sintra seja um belo dum portuga-organizado estacionamento, gigantesco e assambarcador, e que aniquile qualquer hipótese de possível sonho duma qualquer paz romântica ou tranquilidade numa viagem pelo ambiente que até a UNESCO sentiu, sem hesitar, e que é intrínseco a este pedaço de terra desafortunadamente lusitano.
Tudo bem... Tudo bem.

Mas, entre tudo isto, há pelo menos duas coisas que ainda conseguem, talvez até por insolência, dar um prazer e uma apaixonante vivência a quem tiver a curiosidade de as descobrir. (Não. Gil, tu não és uma delas...)

Em Sintra temos o eléctrico, esse belo velhinho vermelho que galga serra acima numa tranquilidade que já não se usa nos dias de hoje e que é encantadora, até à gostosa Praia das Maças e nos traz de volta ao fim de um refrescante dia de praia. Isso, meus amigos, nós ainda temos! Tudo bem que apenas ao fim-de-semana, mas nessa altura ele lá estará para receber quem saiba perceber que o tempo é uma invenção dos americanos para que pensemos que cada vez o temos em maior escassez e o busquemos incessante e doentiamente , e claro está, vender comprimidos anti-stress à nossa custa! Calma meus caros. O bom velhinho é eléctrico mas lá chegará. Não duvidem..

Em Sintra, logo ali, bem no centro da vila, ali mesmo ao lado daquele senhor dentro do "auto-móvel" (que de "auto" e "móvel" tem muito pouco) atrás de outros 1500 auto-móveis, entediado e furioso olhando o vazio nos 30 minutos em que já vai a procissão. "Hei, psst o senhor! Sim, é consigo. Já reparou onde estou sentado? Pois é, isto é uma sardinha vermelha (também velhinha) de lata e tem rodas.. Se calhar até se safava melhor com esta.. Sabe, esta pode levá-lo até bem longe.. Se acreditar muito.."
Pois.. E esta sardinha de lata, é o símbolo preso à parede branca da casa mais mágica de Sintra (Não. Gil, também não é a tua...): O Museu do Brinquedo.
Ali, se tiverem o prazer de entrar, se sobretudo ainda tiverem aquela curiosidade marota da canalhice, podem descobrir o mundo encantado dos brinquedos, não o da Leopoldina mas o outro, o verdadeiro..
O mundo do Sr. João Arbués Moreira, que teve a enorme simpatia de partilhar comigo, nas suas inúmeras histórias e peripécias pela sua viagem interminável num mundo de sonho. Tem mais de 40.000 brinquedos, tem brinquedos do "tempo do menino Jesus" (não, não estou a pregar partidas), tem coisas que todos conhecemos, que todos vimos há muito muito tempo atrás, que ficaram na nossa memória, que nos fizeram quem somos, mais até do que pensamos, e tenho a certeza, que ao surgir à vossa frente, ali naquela vitrine, irão fazer disparar aquele botãozinho lá no canto... E então a frase de espanto vai sair, junto com aquele brilho arregalado dos olhos, também não tenho dúvidas que sim: "Ah...Eu tinha um destes..."
E afinal, todos iremos perceber que ainda os temos, os nossos brinquedos, bem no fundo de nós (talvez até demasiado no fundo, em alguns casos...), para sempre!
Porque os brinquedos, como diz o Sr. João, o "menino" João, são feitos para as crianças sonharem...

http://www.museu-do-brinquedo.pt/

2 comentários:

Gil disse...

O Lobo-Antunes escreveu assim uma coisa: "Não sou um senhor de idade que conservou o coração de menino. Sou um menino cujo envelope se gastou."

O Lobo-Antunes tinha uma casa na Praia das Maçãs, mas não estou certo que apanhasse o eléctrico de Sintra. Era mais aristrocrático.

Unknown disse...

E assim se prova, que a melhor forma de ouvir algo dos amigos, é ir ao encontro das coisas deles (e de preferência referi-los no texto mais de uma vez!!), do que eles são... Foste e vieste, mas continuas a parecer "um bando de pardais à solta"..